Conto: "Diga-me Porque"


Era fim de tarde nas planícies lacustres finlandesas, a neve caía em pequenos flocos tão leves quanto uma pena. O céu tinha um tom roxo-avermelhado e o vento carregava o uivar de uma alcatéia de lobos que passava a leste não muito longe dalí. Naquela região entre as florestas de coníferas, Marko chegava em seu lar. Era uma casa grande, bela, ótima vista para os lagos rasos, uma sala enorme onde havia uma lareira, um piano e um ar muito aconchegante e luxuoso. Logo acima ficava vários quartos, mas só um deles em uso pelo próprio Marko, um homem que apesar de todo conforto e bens materiais mais do que necessários, não era tão feliz, não se sentia completo, sua vida se resumia a andar pelos ares gelados com um trenó e seus cães de neve, seus melhores amigos desde o verão de 1996. Era tudo que Marko precisava. Talvez.
Logo após abrigar seus fiéis companheiros, destrancou a porta de casa, entrou e não se preocupou em certificar que estava tudo no seu devido lugar, como havia deixado 1 semana atrás.
Olhou o piano e foi em direção a ele, ajeitou-se e tocou a primeira nota, a segunda e assim uma linda melodia tão familiar que em pouco tempo não ouvia nenhum som, só lembranças quase vivas. Seus dedos dançavam sobre as teclas mas sua mente e seu coração estavam em outro lugar muito além dalí. Marko decidiu parar, levantou-se e caminhou até a lareira que com um simples apertar no controle, acendeu. Pensou como seria sua vida se ele tivesse total controle sobre tudo, se tudo girasse ao seu comando. Sem graça, talvez.
Foi até o bar, uma boa dose de vodka na mão direita e uma caixa rústica abraçada ao corpo. Marko acomodou-se em frente a lareira, em seu lugar favorito da casa. Abriu a caixa. Passado e presente agora confusos, desejos traídos.
Ela era linda! Lembrou dos passeios, das estrelas cadentes daquelas noites quentes do Brasil.
-''Quentes até demais''.- Risos.
A mulher dos belos cabelos vermelhos, ele pôde ver olhando no fogo da lareira como os cabelos dela eram beijados pela brisa nas praias de Angra dos Reis. Ótimas lembranças, belos tempos.
Não tão belas quando no dia seguinte o anjo da sua vida soltou suas mãos. Não, ele não sabia o porquê.
-"Temos que repensar isso" - Ela disse. Sem mais. Só 3 horas depois, quando Marko caminhava pelas dunas, ele entendeu o recado. Sem reação deixou-a lá, com aquele estranho de cabelos longos. Sentiu raiva. Chorou como uma criança e se recompôs como um homem. Estava decidido a manter seu coração congelado, para evitar que ele se partisse em dois novamente. Sumiu dalí.
Voltando do fundo da sua poesia de demônios, fechou sua caixa e olhou pros lados como quem levanta do mais profundo sono. A dose de vodka no fim, o dia no seu começo.Ele tinha que seguir.
Levantou e fez tudo o que tinha que fazer, uma ducha e uma bela refeição, arrumou algumas coisas e voltou à sala, fotos e cartas no chão. Juntou tudo e logo após assistiu o fogo engolir cada pedaço daquilo, mas no fundo sabia que as velhas mentiras não morreriam. Desligou a lareira, trancou a casa, e com um assovio, convidou seus fiéis amigos para uma volta sem rumo. Voltaria mais tarde. Talvez.


Comentários

Livia Queiroz disse…
Caramba que conto bacana!!
E coitado doo MArko, a historia se passa em um tom totalmente acinzentado, como s houvesse uma tristeza o tempo inteiro, mas nada que incomodasse tanto, é como se ele tivesse apenas se acostumado...

Vai ter continuação neh?
ESpero que sim!!!

http://liu-loren008.blogspot.com/

http://queiroz19.blogspot.com/
Alexandre disse…
Rapaz, vc é muito criativo. Interesante demais.

Parabéns!!

Visite, opine:

http://criticodostempos.blogspot.com/

Abração
Saulo Barreto disse…
imaginação boa vc tem... conseguiu despertar os sentidos na gente, principalmente o visual..
parabéns
G.B. disse…
Talvez.
Essa palavra está continuamente no meu vocabulário.
Gostei muito, parabéns! Espero que tenha continuação!

Beijos!
Edson Nunes / disse…
Muito interessante o blog, conteúdo inteligente e layout bacana.

Parabéns!
Antônio disse…
Conto muito bem redigido... parabéns !
Os detalhes correm à solta nas pequenas frases, que separam do básico até ao mais detalhado pensamento.
Você me fez lembrar de um concurso que participei, no qual teria que fazer uma crônica... foi um concurso pro Brasil inteiro, e como presumido, não ganhei. Mas valeu, ao menos, para saber que eu sou louco por crônicas... de lê-las, e escrever também, principalmente.

Visita o meu tbm. serah uma honra ter um coment seu:
wwww.tonblogando.blogspot.com
Antônio disse…
ahh... muito obrigado...
e bom saber que vc vai continuar fazendo mais crônicas... voltarei mais vezes, pra conferir as novidades.

www.tonblogando.blogspot.com
Livia Queiroz disse…
A parte III de "O Ensaio(ou anseio) de Chico" já está lá no blog...

Confira!
http://liu-loren008.blogspot.com/

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